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Dama Literária - Folhetim Imperial 

Luciane Mustafá

“Dama Literária – Folhetim Imperial”,
2º LUGAR CATEGORIA CRÔNICAS - Prêmio de Incentivo à
Publicação Literária, Antologia 200 Anos de Independência –
3ª Edição, realizado pela SECDC/SECULT/MTur, em 202

                                                                                                     Rio de Janeiro, 30 de dezembro de 1821

                                                                                                                                                 Dama Literária

 

Bom dia com mais um folhetim desta nobre donzela que vos escreve!

Prontos para mais um dia escaldante na terra que Deus nos deu, prezados confrades e prezadas confreiras, damas e nobres cavalheiros!

Andei sabendo de uns rumores que podem transformar as rotinas das nobres casas da capital e virarem vidas do avesso, ah, sim!

Chegou ao ouvido desta humilde senhorinha, que ontem, no disputadíssimo baile do tão nobre, mas sem tostão, Visconde de Alvarenga, que a pressão para que o nobre príncipe regente volte a Portugal está fervilhando! Até mais que este calor a derreter ossos e chapéus! Não contes a ninguém, mas esta fidalga também ouviu que ontem, em 29 de dezembro de 1821, nosso tão aclamado príncipe, na verdade, a salvação para muitos, recebeu um abaixo-assinado de representantes da elite nacional pedindo — acho que implorando, vais saber! — que ele não deixe o Brasil. Uma lista com mais de 8 mil assinaturas a suplicar por sua permanência aqui. Fontes seguras, asseguro-vos, afirmam que em breve ele anunciará sua decisão de ficar entre nós! Outros juram que ele está a fazer as malas...

E aí?

Quem aposta que sim, que ele cederá às exigências das Cortes Gerais e enfrentará meses de expedição pelo Oceano Atlântico, rumo à metrópole?

E...

Caro leitor, caríssima leitora! Quem dentre vós ousaria mencionar que Dom Pedro, apoiado pelas elites brasileiras, resistirá às pressões e ousará descumprir as ordens expressas de Portugal?

Para descontrair um pouco, ouso afirmar que uma certa marquesa virginal foi vista aos abraços com um visconde comprometido, entre arbustos do lado oeste do jardim do baile ontem. Sobraram alguns arranhões bem visíveis, segundo as más línguas...

Por hoje é tudo, nobres leitores e leitoras!

Despeço-vos com o desejo de quem fiquem atentos a todo e qualquer movimento duvidoso no Palácio Real! E me contem se... descobrirem quem sou!

Com minhas sinceras felicitações,

Dama Literária

 

Rio de Janeiro, 10 de janeiro de 1822

Dama Literária

 

Bom dia!

Saudações literárias, caríssimos leitores e leitoras, que acompanham semanalmente as divagações desta humilde serva.

Hoje venho até vós em caráter absolutamente extraordinário!

O Rio de Janeiro está em polvorosa, nos salões e nas residências não se fala outra coisa!

E você, nobre leitor e leitora, certamente já sabe o que sei!

Ontem, exatamente ontem, 9 de janeiro de 1822, dom Pedro declarou na varanda do Paço Real: “Se é para o bem de todos e felicidade geral da nação, estou pronto! Digam ao povo que fico”.

Ele fica, damas e cavalheiros!

O príncipe Dom Pedro decidiu contrariar às ordens das Cortes Portuguesas e permanecer definitivamente no Brasil. As elites brasileiras estão eufóricas!

Posso garantir que chegou aos ouvidos desta humilde serva que vos escreve, que este ato, a ser conhecido como o Dia do Fico, será um dos marcos do processo de libertação política do Brasil em relação a Portugal.

Assim, esta afronta às Cortes Gerais, Extraordinárias e Constituintes da Nação Portuguesa marca a separação do Brasil de Portugal e... Adivinhem!

Dá-se o início ao império brasileiro!

Corram para não perder detalhes deste novo e crucial capítulo da nossa história!

Por hoje é tudo, nobres leitores e leitoras!

Despeço-vos com o desejo de que fiquem atentos aos burburinhos! E já sabem. Contem-me se... descobrirem quem sou!

Com minhas sinceras felicitações,

Dama Literária

 

Rio de Janeiro, 27 de março de 1822

Dama Literária

 

Saudações literárias, ilustre leitor e leitora, bom dia!

Finalmente fomos agraciados com neblina e chuva!

É sabido que Dom Pedro demitiu todos os portugueses que integravam seu conselho de ministros e adivinhem! E os vários títulos nobiliárquicos distribuídos por D. João até 1821, data em que retornou a Lisboa, continuam a causar confusão! Ontem em um baile, soube que certo visconde jura que lhe foi prometido o título de conde; já certa baronesa reclama pelo título de marquesa.

Enquanto se especula sobre abraços furtivos entre jovens enamorados no crepúsculo dos bailes patrocinados pela força opressora da escravidão, chegou a esta humilde serva uma terrível notícia.

Que nada comprometa vosso desjejum, mas soube que recolheram o corpo da escrava Amara na rua da Pedreira, às primeiras horas da aurora. Dizem as más línguas que a pobre estava grávida de um certo marquês... cujo nome perco a língua, mas não entrego. Dizem que foi muito judiada, e que muitos escravos planejam e arquitetam, na surdina, uma vingança. Intimamente, e me desculpe fiel leitor e leitora, se vos afronto, mas suspeito eu que não buscam eles retaliação pela crueldade com que trataram a escrava Amara, punida barbaramente por obedecer e fornicar com o seu senhor, tantas vezes quisesse ele. No fundo, acredito que os diversos focos de rebeliões dos escravos tecem uma trama imensurável de uma mesma luta. Eles anseiam por um dia em que verão meninas como Amara dançarem ao vento; e meninos como Abayomi viver com dignidade e honra.

Enquanto isso, passarei o dia a escolher um vestido, porque hoje tem baile na marquesa Catarina, e é para lá que eu vou!

Despeço-vos com o desejo de olharmos à nossa volta e enxergarmos as almas por trás de cada olhar de servidão que nos rodeia em nosso cotidiano. E já sabem! Contem-me se... descobrirem quem sou!

Com minhas sinceras felicitações,

Dama Literária

 

Rio de Janeiro, 03 de junho de 1822

Dama Literária

 

Saudações literárias, digníssimo leitor e leitora, bom dia!

Chegou a esta ilustre dama a informação de que em maio decretou-se o “Cumpra-se”, o que significa que todas as ordens emitidas por Portugal só terão legitimidade no Brasil se forem validadas pelo príncipe regente.

Que grande avanço, ilustres compadres e comadres!

Despeço com meus sinceros cumprimentos,

Dama Literária

 

Rio de Janeiro, 08 de setembro de 1822

Dama Literária

 

Saudações literárias, digníssimo leitor e leitora, povo brasileiro, excelente dia!

Sinceramente, estou emocionada com este folhetim. E se minha missão é propagar informação e compreensão, vamos juntos viver um dos capítulos mais emocionantes da história do nosso país, e assim, das nossas vidas!

Chegou aos ouvidos desta humilde donzela que ontem aconteceu um marco, isso mesmo, ontem!

Em 07 de setembro de 1822, Dom Pedro encontrava-se com sua comitiva em uma colina localizada próximo ao riacho Ipiranga, quando dois cavaleiros foram ao seu encontro com diversas correspondências. Resumindo, as cartas continham ordens expressas do regresso imediato do príncipe, obediência a Portugal e a prisão de José Bonifácio, principal assessor político do príncipe regente.

Sem alternativas, pressionado pelas notícias de retaliações que Portugal lhe preparava, D. Pedro de Alcântara proclamou o grito de independência, consolidando o Brasil como uma nação independente.

Digníssimos leitor e leitora, boatos dizem que o grito foi às margens do Rio Ipiranga, mas fontes seguras garantiram a esta humilde escritora que foi mesmo em uma colina localizada próximo ao riacho Ipiranga.

“Independência ou Morte!”. Este foi o grito que mudará a história da nossa nação, nos dias atuais e nos próximos séculos.

Ilustre leitor, posso assegurar com toda consideração que este é sem dúvida um dos maiores acontecimentos da história do nosso país. Certamente a independência do Brasil corresponde ao fim do domínio português sobre o Brasil, especialmente nas relações econômicas e políticas.

Mas...

Um passarinho murmurou a mim que Portugal não aceitará essa derrota tão facilmente.

E exigirá em um futuro próximo o pagamento indenizatório de dois milhões de libras esterlinas dos cofres brasileiros.

Que futuro terá a nossa nação?

O que significa o grito de nosso príncipe regente?

Conseguiremos construir uma nação justa e digna?

Só o tempo nos dirá...

Enquanto isso, caros amigos, que aguardam ansiosamente meu folhetim semanal...

Não te espantes, nobre senhor, ilustre dama, mas não se ouvem nos bailes e salões os pensamentos dos escravos sobre as mudanças repentinas no cenário político e social do Brasil. Não pasme, mas tenho informações precisas de um movimento crescente e em plena expansão de abolição da escravatura em diversos países do mundo.

E os escravos do Brasil? Que cuidam dos lares dos notáveis cavalheiros e das exímias damas? Suas vidas sofrerão alterações? Se sim, serão mudanças com significativas melhorias?

Para muitos, acredito honestamente que não tem como piorar a rotina maçante de até 20 horas de trabalho diário, exaustivo e perigoso, alimentação escassa sob constante violência. 

Mas...

Sabem o que penso intimamente, meus caros?

Que em seus espíritos paira um devaneio, como uma centelha de luz, que os move. A esperança de um dia pisar nos desertos e nas savanas, por onde correram, e muitos deles se fizeram homens. Terra que clama por suas almas e estala a dor da saudade em suas raízes. Onde o céu se tinge de fogo, e arde sem queimar e grita pelo sangue dos seus.

 

Por hoje é tudo, eminentes leitores e leitoras!

Despeço-vos com o desejo de celebrarmos o grande feito de Dom Pedro e também com o intuito de tocá-los com os anseios das almas dos escravos que povoam o nosso país.

Ontem mesmo, adivinhem!

Eu estava no baile da baronesa de Albuquerque e ouvi alguns especularem sobre a identidade da Dama Literária!

Eu, hein!

Vou até sumir por uns dias, para ver se me esquecem. Então... fiquem atentos aos burburinhos! E já sabem. Contem-me se... descobrirem quem sou!

Com sincera gratidão por me acompanhar nesta longa jornada, despeço-me.

Dama Literária

@escritoraluciane

Luciane Mustafá é Licenciada em Música e Bacharel em Musicoterapia, EMAC-UFG, e especializada em Gestão de Pessoas-UGF. Possui romances e contos publicados, e é membro da atual diretoria do Sindescritores DF. O romance “Uma Vitória Interrompida”, 2020, recebeu MEDALHA DE OURO, 24º International Latino Book Awards (ILBA) e a coletânea de contos “Jovens & Sábias”, 2021 recebeu MENÇÃO HONROSA no mesmo concurso. Ganhou 2º LUGAR com a crônica “Dama Literária-Folhetim Imperial”, Prêmio Antologia 200 Anos de Independência, 3ª Ed, SECDC/SECULT/MTur-2022. O primeiro romance "O Despertar de uma Sinfonia" foi publicado em 2015.

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